Uma história da minha mãe

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Ficou-me na cabeça uma história que a minha mãe nos contou, vinda do trabalho, há cerca de quarenta anos. Conto-a como dela me lembro, não posso garantir que o tempo não tenha adulterado a toda-verdade factual. Ela leccionava há alguns anos no Instituto de Novas Profissões. Estávamos logo a seguir ao PREC, as cabeças andavam quentes e os saberes políticos seriam curtos para a maioria. Ali, uma instituição de ensino privado, então julgo que ainda de nível médio, não seria propriamente um local de alunos muito revolucionários.

Um dia chegou a casa algo alterada. Uma cena no Instituto, breve. Lá leccionava uma professora de francês que era francesa, senhora já de alguma idade. Uma aluna, vistosa, bonita, chamativa ainda para mais porque filha de um grande e célebre capitalista colonial, entrou na sala de aulas com um emblema com a cruz suástica – coisas da rebeldia do tempo, de se mostrar adverso ao 25 de Abril (e decerto que naquele caso contra a descolonização) no qual para um contexto social burguês (ou arrivista) ser do MIRN (Kaúlza de Arriaga) era um manifesto (statement) sociológico, muito mais do que ideológico, isto antes da AD que congregou estratos sociais.

Entrando na aula de francês a professora francesa teve o que então se chamava um “chlic”, veio abaixo, saiu da sala, chorou, descontrolada, congregando atenções, cuidados e simpatias dos colegas (lá estava a minha mãe). Era ela uma francesa residente em Portugal há já três décadas, refugiada judia do tempo da II Guerra Mundial (eu não posso afiançar mas tenho ideia de que a minha primeira professora de francês, no Valssassina, era um caso similar).

A história veio-me agora à cabeça. Nestes dias em que se defende o livre-arbítrio radical quando aos adornos. Ele não existe. Nunca. Ou melhor, não pode existir. Por mais que possamos compreender, contextualizar, as práticas.

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