Há mais de 20 anos vivi no interior do Cabo Delgado. Quando, por razões logísticas, aportava em Pemba abancava no bar Viking. Naquele clima de empapar qualquer europeu recém-chegado a arte era cruzar o mata-bicho: nas alvoradas ovos, chouriços de conserva, mais batatas (quando o navio as havia trazido à cidade) fritas e várias Castles, por vezes até já Famous. Aprendi gamão com o John, algumas princesas locais sentavam-se à mesa, connosco bebericando, escandinavas e também escandinavos cooperantes (eram então ali imensos) se seguiam, um ou outro raro patrício surgia para saudar. Depois ia ao correio (então ainda não havia internet) mas nunca tinha cartas, comprava conservas, deixava correr o dia até às noites de Wimbe e no dia seguinte seguia para o “mato”, a aldeia lá bem para além de Montepuez, mochila às costas, machimbombo ou alguma boleia. Num desses mata-bichos que duravam até aquela hora do fim da tarde, ou mesmo à madrugada, decerto que já um bocado trôpego, pedi ao Bagorro que me gravasse uma k7 (sim, daquelas de fita) com esta canção. Eu nunca a ouvira, nem mesmo atentara em Roberto Carlos, o piroso. Mas ali, então, naquela era moçambicana, ele era muito ouvido. Ao balcão do bar esta tocava várias vezes ao dia. Gravou-ma. Calcorreei, naquele calor húmido, dali ao Hotel Cabo Delgado até à baixa da cidade, aquela escadaria abaixo para depois escadaria acima, aos correios e enviei a k7, só assim, com o apenas “O Portão”, àquela que havia sido minha namorada. E que, depois, voltou a sê-lo. E mulher. E mãe da minha filha. Muito tempo depois, um ano talvez, perguntei-lhe se a havia recebido. Que sim, disse-me, e que tinha achado que eu devia estar meio maluco. E bêbedo, acrescentou. Ciente.
Nunca mais resmunguei com Roberto Carlos – no que aliás sigo os canónicos grandes daquilo da MPB, sempre cultores do “Rei”. E ainda hoje, já mesmo voltado, pois “onde andei não deu para ficar“, eu próprio “amarelado pelo tempo“, trauteio este “Portão” em busca do nunca tido meu “cachorro (que) sorriu latindo“, e de uns quaisquer “braços abertos” pois “voltei para as coisas que aqui deixei … agora para ficar … porque aqui é meu lugar“.
Vem-me esta memória à cabeça quando vejo espalhada uma foto do nosso ministro da cultura – mui fraca figura, é sabido – ministrando, exultante, no concerto do Tony Carreira, o nosso cançonetista romântico. E partilho-a, à historieta, para que fique claro: não é cagança elitista a minha. É mesmo desprezo por tamanha demagogia. Imenso.