
Basta-me olhar para esta fotografia para comprovar que Torremolinos é um sítio ao qual espero nunca ir. Nem sempre foi assim. Em 1980 estava no 10º ano e preparava-me para no ano seguinte ir à minha viagem de finalistas (por alguma sobrevivência elas eram feitas no 11º ano e não no recém-introduzido 12º, sucessor dos patéticos anos cívicos e propedêuticos que o estado havia tentado). As viagens eram nas férias da Páscoa e dirigiam-se, já na altura, para Torremolinos. Ali congregavam-se os finalistas de inúmeras escolas secundárias, promovendo, segundo rezavam as crónicas dos que lá iam e assim despertando a nossa cobiça de mais-novos, afincados rituais de potlatch, enormes esbanjos de droga (ganzas acima de tudo), álcool (tudo o que se apanhasse), sexo (em versão bíblica para os mais sortudos, ou meros “melos” para os mais atados) e ainda algum rock (havia uma célebre discoteca, o Piper’s, onde todos se gabavam de ter entrado).
Mas esse meu (e não só) anseio falhou. Pois naquele 1980 o esbanjo foi tão caótico que uma malvada deputada do PS – cujo nome, por isto mesmo, nunca mais esqueci (Teresa Ambrósio) – cerceou as minhas ânsias, ao denunciar em plena Assembleia da República o desvairado estado a que as coisas haviam chegado. Tamanha bronca aquilo deu, entre a AR e a imprensa, que no ano seguinte não houve Torremolinos para ninguém …
Parece que agora, 37 anos depois, as coisas continuam na mesma. Querem opinar sobre o assunto? Façam-no, mas, sff, com alguma dimensão histórica. Caso contrário são apenas atoardas. Abaixo fica a pesquisa bibliográfica que fiz (via google):
PÁGINA INICIAL 3ª REPÚBLICA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA SÉRIE III LEGISLATURA SESSÃO LEGISLATIVA 04 NÚMERO 070 1980-06-12 PÁGINA 1159
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II SÉRIE — NÚMERO 70
Requerimento
Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia da República:
Nos termos regimentais, requeiro a V. Ex.a que sejam solicitados ao Ministério da Educação e Ciência e ao Ministério do Comércio e Turismo os resultados dos inquéritos levados a efeito por aqueles dois departamentos do Governo sobre os acontecimentos em Torremolinos ocorridos com estudantes das escolas secundárias durante o período das férias da Páscoa e por mim pedidos nesta Assembleia.
A Deputada do PS, Maria Teresa Ambrósio.
Curioso também este trecho de uma intervenção então feita pela deputada do PCP Rosa Represas sobre aqueles acontecimentos. Numa interpretação sui generis da maluqueira então acontecida em Torremolinos considerava que a culpa era da AD (então no governo). Presumo que os seus sucessores, fiéis à sempre louvável coerência ideológica do “Partido”, estejam hoje a invectivar o PS exactamente pela mesma causa. Aqui fica o excerto para os que não gostam de clicar:
” … Ao destacar o papel do movimento associativo como elemento fundamental de intervenção construtiva dos estudantes na resolução dos seus problemas, na realização de iniciativas culturais e de convívio, não quero deixar de fazer uma referência ainda que breve, aos recentes acontecimentos ocorridos em Torremolinos.
E quanto a isto, as versões, ainda que nalguns aspectos contraditórias, apontam para uma única conclusão: uma excursão de jovens, um momento de alegria « convívio, foi transformada por alguns deles em cenas de violência gratuita e vandalismo.
No fundo, aquilo que se passa quase diariamente em muitos liceus do País, repetiu-se em Espanha. As acções são semelhantes. Os seus autores identificam-se. Recorde-se os recentes acontecimentos nos Liceus de Oeiras e Amadora, onde alguns jovens, identificados com a AD e fazendo culto da violência, agrediram estudantes. Tal como em Portugal, estes elementos não se esqueceram de, em Espanha, deixar a sua marca, ou seja, as inscrições nazis, cruzes suásticas, etc.
E, se é necessário que seja feito um inquérito aos acontecimentos de Torremolinos dada a sua gravidade, também é preciso exigir que o Governo deixe de estar conivente, esteja atento e aja quando actos desta natureza se fazem sentir nos liceus.
É ainda necessário que se diga que os acontecimentos de Torremolinos dão uma imagem distorcida do que são os estudantes portugueses.
Um grupo restrito de estudantes, alguns dos quais identificados com a AD, não dão a imagem da grande maioria dos estudantes portugueses.
Tal como a não dá o pequeno grupo de arruaceiros que, em alguns dos nossos estabelecimentos de ensino, lança frequentemente a violência e a confusão.”
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