José Capela

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Em 29 e 30 de Maio próximos decorrerá no Porto esta conferência internacional José Capela e a história de Moçambique, dedicada (obviamente) a uma reflexão sobre a vasta e fundamental obra do historiador. Até amanhã, 15 de Março, os interessados poderão enviar para o sítio da conferência as suas propostas de comunicação.

Para quem não conheça a sua obra e se interesse pela história de Moçambique e pela história africana de Portugal é fundamental lê-lo. Sobre o historiador José Capela (de seu verdadeiro nome José Soares Martins) fui deixando alguns textos no antigo blog (e em jornais moçambicanos).  Este, uma referência a um livro que acabara de publicar, agradou-lhe bastante e foi simpático o suficiente para me escrever “A sua referência ao livrinho é muito mais do que isso … é o enunciado da síntese interpretativa do que fiz como historiografia de Moçambique que melhor corresponde àquilo que pretendi significar“. Decerto um exagero, aquela coisa da simpatia, mas refiro-o aqui, evitando falsas modéstias, para lembrar: quem nunca leu Capela veja estas 3 pequenas páginas que podem ser uma antecâmara para a sua obra.

Quando Soares Martins morreu (em 2014) coloquei este texto, com 15 capas de livros (uma bibliografia incompleta).

Enfim, quem tenha interesse nesta área do saber que se apresse e inscreva-se. Será a melhor maneira de homenagear a memória do grande historiador. E do excelente homem.

Um amigo e o Knopfli

basta viver

Um amigo, de muito longe, lá no muito longe, mandou-me isto, num “li e lembrei-me de ti”. Respondo-lhe “vai-te foder, deste cabo de mim … Um beijo para ti”. Defendo-me aqui, através da imagem, pobre muralha …

O Livro Fechado

Quebrada a vara, fechei o livro 
e não será por incúria ou descuido 
que algumas páginas se reabram 
e os mesmos fantasmas me visitem. 
Fechei o livro, Senhor, fechei-o, 

mas os mortos e a sua memória, 
os vivos e sua presença podem mais 
que o álcool de todos os esquecimentos. 
Abjurado, recusei-o e cumpro, 
na gangrena do corpo que me coube, 

em lugar que lhe não compete, 
o dia a dia de um destino tolerado. 
Na raça de estranhos em que mudei, 
é entre estranhos da mesma raça 
que, dissimulado e obediente, o sofro. 

Aventureiro, ou não, servidor apenas 
de qualquer missão remota ao sol poente, 
em amanuense me tornei do horizonte 
severo e restrito que me não pertence, 
lavrador vergado sobre solo alheio 

onde não cai, nem vinga, desmobilizada, 
a sombra elíptica do guerreiro. 
Fechei o livro, calei todas as vozes, 
contas de longe cobradas em nada. 
Fale, somente, o silêncio que lhes sucede. 

Rui Knopfli, in “O Corpo de Atena”

Congresso “Cartógrafo de Memórias – a poética de João Paulo Borges Coelho”

jpbc

Sítio do Congresso.

Uma bela notícia: nos próximos 13 e 14 de Julho 2017 decorrerá em Lisboa um congresso dedicado à obra do escritor moçambicano João Paulo Borges Coelho, que leva como título “Cartógrafo de Memórias: a poética de JPBC”. Até 28 de Fevereiro está aberta a recepção das propostas de comunicações para aqueles que quiserem participar. Para nós outros fica a opção de “assistentes” ou (se muito depauperados, e por isso a eximirmo-nos de pagar a breve espórtula requerida pela universidade) a escapulirmo-nos para as salas sem que ninguém nos veja.

Em relação ao João Paulo Borges Coelho eu sou muito suspeito: este “As Duas Sombras do Rio” é um dos livros da minha vida e é, com toda a certeza, o livro que mais me marcou durante a década dos meus quarenta anos. Coisas cá minhas, decerto. Não que o diga o melhor dos livros do autor, digo-o o que mais me bateu.

Eu não sou especialista de literatura e as dissecações, análises, avaliações e contextualizações deixo-as aos do ofício. Sou só leitor. E é como leitor que vou insistindo (de boca a ouvido, às mesas de jantar ou petisco, in-blog) que o João Paulo Borges Coelho é um excelente escritor, que vem construindo uma obra que é, sem qualquer dúvida, e de muito longe, a mais interessante, bela e complexa obra literária em português em África, e que é também um monumental tratado sobre Moçambique e sobre o mundo moderno.

E que por isso mesmo, pela complexidade, mas também pelo sua aversão ao exotismo de forma e conteúdo, desabunda nos escaparates lisboetas e seus arrabaldes, nas estantes dos adoradores daquela “áfrica” de ocres, natureza virgem e poética nativa, dela nostálgicos ou sonhadores, e inexiste nas editoras brasileiras, talvez mais interessadas no pitoresco “afro” apropriado aos apetites neo-imperialistas do seu país.

Os livros do jpbc são mais do que recomendáveis para quem gosta de ficção. E são também – é a minha leitura de fan, tanta que até me atrevi um dia, em registo de amador, a botar uma faladura sobre a sua obra, a que chamei não “cartografia” mas sim “geologia” – um grande manifesto sobre o seu país, o qual não precisa, por assim afixado, de ser constantemente sumariado em pequenas declarações políticas à imprensa ou nos bate-boca literários. O que também reduz a venda dos livros, sabe-se bem.

Enfim, vai longo a aviso do congresso, dada a alegria sentida quando hoje soube do evento. Que seja motivo para boas comunicações sobre a já vasta obra ficcional (e também com BD). Para o encontro de admiradores do escritor. E para que seja convenientemente divulgada pela sua (distraída?) editora.

 

A igreja católica em Moçambique em novo livro de José Luzia

jose-luzia

Para quem conhece Moçambique o padre Zé Luzia é uma espécie de lenda, mais de três décadas de actividade no norte do país, ali sediado na província de Nampula, incansável e incontornável na sua forma peculiar de prática profissional, de dádiva moral, pois total mas exigente. Ao fim de trinta anos regressou a Portugal, exerceu no centro de Lisboa, depois nos arrabaldes. Para depois abandonar este quase remanso daqui, regressou ao norte moçambicano – e foi em Angoche que o fui encontrar no nosso último encontro por lá, ele lá feliz e entusiasta, como sempre, diante das dificuldades, as suas logísticas, as enormes do povo que quer servir. É um homem de quem se tem orgulho em dizer de que se é amigo, uma verdadeira personagem que nos faz sentir um bocado pequenos no nosso burguesote conformismo.

Publicou agora um livro sobre Manuel Vieira Pinto, o célebre e tão importante bispo de Nampula, personagem fundamental na história do tardo-colonialismo, do entendimento da complexa (e tantas vezes contraditória) história da igreja católica no sistema colonial e em Moçambique. Mas também crucial para se entender a posição católica no dealbar do novo país. Este “O Visionário de Nampula” será apresentado amanhã, terça-feira, 25 de Outubro, na igreja da Praça de Londres em Lisboa. Os amantes de Moçambique e da sua história, os interessados na história da igreja católica em África e no país, que estiverem em Lisboa ficam convidados para lá ir. Saber sobre tudo isso, sobre o célebre bispo de Nampula. E conhecerem (ou reencontrarem) o grande Zé Luzia, homem entre os homens.

E se algum for daqui diga-lhe que o jpt lhe manda um grande abraço saudoso, de amigo e de admirador.

 

O Berlinde com Eusébio lá Dentro

“O Berlinde com Eusébio lá Dentro”

O meu amigo Almiro Lobo, prestigiado académico moçambicano, homem de bem, e amigo do seu amigo, publicou há cerca de um mês em Maputo mais um livro, este de crónicas autobiográficas, algo a que o belo título alude: “O berlinde com Eusébio lá dentro” (editado pela Alcance). São memórias da sua meninice e juventude, 14 textos que evocam o seu Chinde natal, a Zambézia, o Niassa, Maputo e ainda o cá Portugal*, onde o Almiro se pós-graduou. E onde também casou, com a minha patrícia Paula. Aliás, um fruto desse casamento surge ali na foto, em pujante pose futebolística (o rapaz tem “pinta”, não haja dúvidas).

Está Almiro Lobo (e decerto que a editora Alcance) agora surpreendido com a tomada da Luís Laureano Santos e Associados/Sociedade de Advogados, um escritório que representa o Benfica que o acusa de usurpar direitos de imagem de Eusébio, ao que parece detidos pelo clube. Como resultado disso a venda do livro foi suspensa.

Isto é patético. Não só devido ao produto de que se trata, um pequeno livro de memórias – que nunca se tornará um sucesso comercial, pilhável pelos omnívoros clubes de futebol. Mas também pela confusão acontecida: um rapaz mulato a jogar à bola? Eusébio será. Para Luís Laureano Santos e Associados os “pretos [de facto mulatos, no racialismo português] são todos iguais”?

Mas mais do que patético é gravoso, isto de chegarmos ao ponto de que a memória social (sim, não esqueçamos que Eusébio até para o Panteão foi) se torna património privado e não daqueles que a cultivaram e reproduzem. Li alguém escrever sobre este caso apatetado – raisparta, se fosse representado por um escritório de advogados que fizesse uma coisa destas mudava logo para uns quaisquer rivais – que “isto é o colonialismo”. Não é, nem pensar nisso. É sim o capitalismo. Com advogados da “distrital”, já agora.

Enfim, a ver se o clube Benfica abre os olhos e retira esta acusação parvoíce, que só o apouca, clube popular – e de memórias – que é. E se o livro volta a ser vendido.

*Ainda não li o livro, retiro estas informações do texto de Elisabete Azevedo-Harman, que o apresentou em Quelimane.

 

Machado, “Até Mesmo Rouco”

ate ficar rouco

Até Ficar Rouco intitulou ele, afinal mentindo, pois apoucando-se, um dos livros com colheita das suas crónicas. Mentindo sim, e prova provada disso tive-a há tão poucos dias quando o amigo que sempre me contrabandeia a versão digital do “Savana” me enviou esta última edição. E lá estava a sua coluna de sempre, a “A Talhe de Foice“, a sua constante machamba de opiniões críticas, virulentas, tão destemidas num país onde se pode morrer pelo que se diz ou escreve.  O Machado estava já muito doente, consciente do imparável destino, e da brevidade com que tudo ocorreria … estava já “rouco”. Mas nem assim se calou, com a réstia de energia que acoitava, o fio de voz que ainda lhe cabia,”Até Mesmo Rouco” continuou a bradar contra o “estado dos homens” e das coisas que estes vão fazendo acontecer – desta sua última vez afrontando a construção das dívidas públicas moçambicanas, o algoz que tanto afoga e afogará o desenvolvimento.

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“Água”, o novo livro de João Paulo Borges Coelho

água novela rural

[Apresentação a 12 de Julho (terça-feira), às 18h30, na Buchholz, em Lisboa]

Num país (ou numa era?) feito de azedumes um elogio a alguém arrisca sempre a suspeição de integrar alguma indirecta malvadez a outrem. Não é nem nunca foi este meu caso. Há mais de uma década, desde que fiquei maravilhado com o magnífico “As Duas Sombras do Rio“, o primeiro romance de João Paulo Borges Coelho, que me vou repetindo em cada nova conversa, e tanto que até já extravasei o meu lugar de antropólogo e me botei a escrever uma comunicação sobre o autor [“JPBC: uma geologia ética de Moçambique“].

Repito-me nesta minha opinião, de arrogância maximalista. A de que este autor é, mas de muito longe, a mais interessante, enleante e competente escrita ficcional em português radicada em (sobre) África, o que digo sem o querer acantonar em qualquer “african way of writing” ou qualquer coisa com isso parecido. Tramas romanescas estruturadas, próprias de quem é autor com muita leitura (o que não é regra nesse universo, nem nada que se pareça), é logo algo que o aparta de grande parte desse “meio literário”. Mas há nele muito mais do que isso, uma ficção que ecoa uma análise profunda, complexa, até programática – mas nada a la carte – da sociedade moçambicana, da sua ambivalência, e, por isso, do mundo e dos destinos que este encerra.

Nas personagens e nas temáticas não há ponta desse exotismo, tão populista, que enche páginas de tantos autores africanos, oriundos ou, apenas, austro-cultores, embrulhando boas causas muito de moda. E muito menos no modo que escolhe como seu, tanto que sempre pensei que esse depurar formal, esse “classicismo”, é nele  não só uma opção estilística, ou uma “voz” congénita, mas mais uma modalidade de recusa total do tal exotismo, do facilitismo de modos, estilos, temas e ideologias que inundam a literatura afro-centrada. Essa que é radicalmente equivalente àquelas pinturas de ocres e similares, quadros “para turistas” que preenchem as lojas de “curios” dos aeroportos e as paredes de turistas.

Disso resultante é que a sua constante produção literária vai desaparecendo dos escaparates portugueses, mais atreitos à ganga que o mercado da “saudade” – a nostalgia colonial, a nostalgia militante, a nostalgia cooperante, a nostalgia expatriada, a nostalgia turística – vai consumindo, em busca de uma “África” livresca que nada mais é do que o eco da ileitura desses tresleitores.

Digo isto crente que o jpbc segue mergulhado, como sempre, nas suas múltiplas aventuras intelectuais, literárias e outras, sem angústias com esse relativo silêncio que os seus livros vão recebendo (imenso, face ao mérito que têm). Sou eu mesmo, fan, que me arrepelo com isso. É por isso mesmo que continuo a blogar a cada um dos seus livros. A ver se alerto pelo menos uma pessoa a arrancar um dos escaparates (ou das estantes alheias) e a lê-lo.

Na próxima terça-feira, em Lisboa, apresenta-se o próximo. É uma hipótese. Cheguem-se à frente …

Patrick Harries

harries junod

harries work

Morreu ontem Patrick Harries, historiador sul-africano cuja obra é incontornável para os interessados no entendimento da história moçambicana. Mais do que palavras elogiosas cumpre é fazer o apelo à leitura (ou releitura). Realço duas obras, que julgo extraordinárias: o “Work, Culture and Identity: Migrant Laborers in Mozambique and South Africa, c. 1860-1910” (que partilho aqui em formato pdf) de 1994, necessário para entender as reconfigurações económicas e as dinâmicas de categorização etnolinguísticas do sul de Moçambique desde meados de XIX; e uma preciosa biografia de Henri Junod, missionário e etnógrafo, o “Butterflies and Barbarians: Swiss Missionaries and Systems of Knowledge in Southeast Africa” de 2007, do qual há uma edição moçambicana nas Edições Paulinas com este título “Junod e as Sociedades Africanas: Impactos dos Missionários Suíços na África Austral”, que me parece ter passada algo despercebida no país (e que está disponível para aquisição em formato electónico).