A direita e a esquerda

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É muito interessante ler textos já algo antigos mas ainda contemporâneos. Eduardo Lourenço tende para a unanimidade nacional, também mas não só pela sua elevada idade. Em 1986 escreveu o artigo, “A Esquerda como problema e como esperança (Sobre a crise de imagem da Esquerda)”, que veio a integrar o livro A Esquerda na Encruzilhada ou Fora da História? (Gradiva, 2009). Retiro este (delicioso) trecho, que é, aliás, muito denotativo do conjunto de textos coligidos no livro, ainda mais interessantes porque alguns são anteriores à destruição do bloco comunista e ao subsequente desnorte social-democrata:

O único inimigo que a Esquerda tem, nas suas diversas modalidades, é ela mesmo enquanto inconsequente, enquanto esquecimento da sua própria aventura … até porque a Direita, quer dizer, a tentação do poderio, a ilusão de deter com a verdade que tem a Verdade toda, com a cultura que é, o monopólio da cultura, está também aninhada no seu coração. A luta pela Esquerda é também a luta contra essa Direita em nós. A outra, a que nos combate por ser essa a sua fatalidade, por mais sinistra ou sedutora que se apresente, nem sequer devia o objecto das nossas ocupações e preocupações. Nesse sentido … a Esquerda não tem inimigos. Ela é o lugar histórico da tolerância, a vitória lenta mas constante do diálogo imposto aos que não querem ou não precisam de dialogar, ele é ou deve ser o lugar da máxima transparência de que uma sociedade é capaz e se, por graça dos deuses, aqueles que se dizem de Direita ou são de Direita partilham deste espaço de diálogo, são também, saibam-no ou não, povo de Esquerda.” (p. 50).

Um tipo lê isto, trinta anos depois, e nem sequer  discute o seu conteúdo (e as maiúsculas). Apenas se lembra que o autor, apologista da “Esquerda” “lugar da máxima transparência” acabou a posfaciar o livro do “Senhor Engenheiro José Sócrates” (como o apelidou). E sorri(o), diante da tal unanimidade nacional …

Trinta anos depois!

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Desgrudei-me do FB. Continuo a utilizá-lo para ligar os postais do blog. Não porque “não sirva para nada” – serve para imensa coisa, é (ou pode ser) muito útil; ou porque “seja um local de engate” como diz o outro, dado que nada tenho contra o convívio. Não porque me tenha cansado das fotos das famílias felizes, das festas e férias alegres ou dos repastos pantagruélicos ou gourmets: gosto e desejo (d)a felicidade alheia, (d)o lazer alegre alheio e (d)a boa mesa alheia. Não encontro desinteresse nos dois universos facebuqueiros com os quais contacto, o português e o moçambicano. Mas encontro-os abrasivos em demasia para o meu estado de espírito. Com razões para tal, porventura, o moçambicano: crise profundíssima económica e cultural, um conflito latente, um processo político muito difícil pela frente. O debate FB moçambicano é muito interessante. Mas é também doloroso, lido de longe. Abrasivo também o português mas  muito menos sumarento. Quase uma encenação numa sociedade de abundância, de enorme homogeneidade social, cultural e ideológica, onde as grandes divisões são apenas entre as diversas concepções sobre como regular o acesso à redistribuição estatal da riqueza. O tom fervilhante da polémica no FB (como o foi no final da década passada nos blogs) dá um pouco vontade de perguntar “estão a discutir o quê?”. Aqui sim, um debate vácuo e pouco consistente sobre o país.

Disso exemplo é o que acabo de ver. Entrei agora no FB para partilhar ligações do último postal aqui. Encontro várias partilhas de uma notícia vituperando Cavaco Silva por o seu governo ter votado na ONU contra uma deliberação pela libertação de Mandela e pelo fim do apartheid. O artigo de jornal agora desenterrado e veementemente partilhado tem quatro anos, e aludia a uma votação de 1987, há trinta anos! O contexto desta até surpreendente partilha (a que propósito?, perguntaria alguém mais distraído) é simples: Cavaco Silva lançou um livro de memórias, critica sobremaneira o antigo primeiro-ministro Sócrates e alude criticamente ao actual bloco de poder parlamentar.

A questão não é de ter uma boa memória desse episódio, com ele ter concordado ou concordar hoje. Recordá-lo poderá ser interessante se explicitando o conteúdo completo daquela votação, coisa que o artigo em partilha elide propositadamente. E integrando-o seja no pendor “atlantista” (pró-americano, pró-britânico) da política externa portuguesa, seja na complexa política externa africana portuguesa naquela década, seja ainda aludindo às questões que então se levantavam sobre o hipotético devir da comunidade de portugueses emigrados na África do Sul. Mas nada disso é referido, fica apenas o ataque ad hominem a Cavaco Silva – credor de muitas críticas mas não deste jeito. Neste modo de alisar o real, simplificar (manipular) a história. Apenas, sublinhe-se, para atacar o homem que critica Sócrates e descrê na “cloud” dita “geringonça”.

E enjoa ver alguns dos nossos, impávidos, neste “piloto automático”. De alguns mesmo esperar-se-ia que fossem os “nossos melhores”. Mas recusam-se a sê-lo. É melhor deixar-lhes o FB. E, passe a evidente cagança, regressar a este Tormes, à pequena machamba que é este Courelas.

A influência do cherne

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“Abandono escolar aumentou porque desemprego juvenil diminuiu”

                                                                                                          António Costa

 

Em plena Assembleia da República, o primeiro-Ministro de Portugal  justificou desta maneira e sem réstia de vergonha, o aumento de 0,3% no abandono precoce da escola em 2016, não querendo perceber o quão grave é a questão. Depois atirou com areia para os olhos dos papalvos, dizendo que o Governo vai lançar o programa Qualifica, “para completar a qualificação, certificação e formação”. Deve ser um copy-paste do programa do seu antigo amigo e chefe, o “Novas Oportunidades”, já que a merda da escolinha é, como se sabe, uma mera formalidade, uma perda de tempo.

Nos idos anos 70 quando se queria estabelecer  um nexo causal disparatado, dizia-se que um qualquer acontecimento se devia à influência do cherne no eclipse da lua.

 

 

Amnésia

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O macro-poli-comentador, o verdadeiro tudólogo, também íntimo de Ricardo Salgado, que nunca abriu a boca sobre os problemas da banca, tem o enormíssimo desplante de aparecer agora lamentando que as instituições multilaterais (às quais chama “troika”, em falar nada presidenciável) não tenham descoberto os problemas da banca portuguesa. Uma execrável pantomina. E há gente, e muita, que tem “afecto” por esta tralha …

 

 

Lixo de 1ª!!!

A Política e a Economia não são coisas para o cidadão comum. E ninguém melhor  para provar a incapacidade popular para matérias desta dificuldade que Sua Excelência o Senhor Presidente da República Portuguesa.

Apregoando o bom estado da chafarica a que preside, aproveitou S.E. para antecipar o revisto rating para o país de uma das mais conhecidas agências de notação financeira – a Fitch, passe-se a publicidade gratuita. Marcelo Rebelo de Sousa vestiu a sua melhor  e saudosa farpela de comentador, superando facilmente o inefável Marques Mendes e , num arriscado passe de adivinhação, arruma com a própria bruxa-taróloga Maya e ainda, transbordando de optimismo, ultrapassa António Costa na campanha publicitária sobre o êxito nacional.

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Diz-nos assim o Presidente, de quem sou, de resto, apreciador:

“… A segunda boa notícia é que a agência Fitch

mantém o rating de Portugal, à espera das decisões

das instituições europeias…”

Ora o famigerado rating da Fitch, deixa o país onde já estava, ou seja, no lixo. Que bom.

 

O funeral de Soares

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Como não há nada para discutir no mundo tenho o FB carregado dos “novos ignorantes” (alguns figuras públicas) a debaterem se Costa deverá ou não interromper uma viagem oficial à Índia para assistir ao funeral de Soares. Certo, se o PM fosse p. ex. Passos Coelho e não viesse ao funeral os socialistas (e os comunistas) lançar-lhe-iam um opróbrio. Mas seriam estúpidos. Como agora quem discute isso. Pois até eu, que não sou jurista, sei procurar isto: Lei Orgânica do XXI Governo (Decreto-Lei n.º 251-A/2015 de 17 de dezembro) – Artigo 7.º / Ausências e impedimentos do Primeiro-Ministro: O Primeiro-Ministro, salvo sua indicação em contrário, é substituído na sua ausência ou impedimento pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros ou por ministro que não esteja ausente ou impedido, de acordo com a ordem estabelecida no artigo 2.º, sendo a substituição comunicada ao Presidente da República, nos termos do n.º 1 do artigo 185.º da Constituição.

É assim. E por isso o Primeiro-Ministro estará presente no funeral do ex-presidente. Quem não estará é o cidadão Costa, ausente do país. E onde está o cidadão Costa é irrelevante. Entenda-se, eu acho que este governo socratista deve ser combatido “rua a rua, prédio a prédio, flat a flat”. Acho-o abjecto. Mas andar a criticá-lo por isto é uma imbecilidade. Não uma “nova ignorância” mas sim uma intemporal ignorância.

Adenda: avisam-me que está instalada uma aparelhagem televisiva (ecrã gigante) para que a população possa escutar uma mensagem do primeiro-ministro António Costa durante o cerimonial fúnebre. Se isso é verdade toda a minha argumentação cai por terra, o PM e a sua “entourage” não têm qualquer noção do político, protocolar, administrativo e simbólico, tudo se resumirá ao seu ego político. Se assim for, se a sua vertigem egocêntrico se sobrepor àquele que o representa, esvaziando-lhe a função política, é óbvio que deveria ter tudo interrompido e vindo até cá. Será um erro. De mediocridade. Esperemos, nesta véspera, que assim não seja. Nem que seja, apenas, por respeito pelo(s) morto(s).

Obrigado Mário Soares?

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Por mais antipático que possa parecer discordo desta homenagem da Câmara Municipal de Lisboa. Que o Estado (a presidência da república, o governo) entenda honrar com funeral de Estado o antigo presidente, primeiro-ministro e ministro acho bem, é sua prerrogativa, e é muito saudável e apreciável – ainda que eu prefira a elegância daqueles célebres que na hora do fim avisam que a cerimónia de saída deverá ser privada.

Mas que uma câmara faça uma coisa destas, ainda para mais utilizando meios comerciais (o que nem sequer é a questão crucial), não é curial. Não é às câmaras que competem estes processos de sacralização laica (de “eternização” simbólica), de exaltação, dos vultos nacionais. Isto não passa de uma excitação, um atrevimento, um “em bicos-dos-pés” do presidente em exercício, uma intrusão nas funções simbólicas do Estado central.

Mais ainda, não creio que os funerais dos antigos chefes de Estado da democracia portuguesa, António Spínola e Francisco Costa Gomes, tenham sido alvo destas elaborações propagandísticas da câmara. Dirão que esses indivíduos tiveram peso diferente na história? Talvez, mas isso são interpretações que não competem à câmara municipal da capital. Posso crer até que, e meto as mãos que teclam no fogo, se a morte de Aníbal Cavaco Silva ou de António Ramalho Eanes (longe vão estes agoiros) acontecerem sob o alcaide Medina isso não provocará este “outdoorismo”.- ainda para mais num partido que deixou recentemente de assinalar aquela data de 25 de Novembro de 1975, congregadora dos esforços de Soares e de Eanes para um nunca-geringoncismo.

Blogs e Sócrates

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Quem escreve(u) em blogs, quem os lê, lembra-se bem das polémicas sobre o bloguismo político anónimo, lembra-se do nojo que era o blog Câmara Corporativa, do rasteiro seguidismo ao governo de Sócrates. Eu lembro-me do jornalista internético “nada socrático”, “nada socialista”, todo ele em pose muito autónoma, e das gentes do Jugular a defenderem aquele lixo, sufragando o indivíduo, negando que fosse um colectivo (e realmente não era) como tantos pensávamos que fosse, tamanho o frenesim blogal que tinha. E que fosse de gente ligado ao poder como parecia ser, tamanha a parafernália de informação política que ostentava. Todos muito dignos, encenavam-se. Um lixo de gente, um bordel literalmente falando. E a alguns um tipo até conhece pessoalmente.

A esses bloguistas de então fui agora espreitar-lhes os murais de FB. Sobre isto nada dizem, assobiando para o lado. Mas sem dúvida que resmungarão que é falsidade de pasquim … Mas os pasquins fazem-nos eles, a sua vida é isso.

Lost in translation

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A ONU – Organização das Nações Unidas – traçou um perfil desejado para o sucessor de Ban Ki-moon no cargo de Secretário Geral: uma mulher oriunda do leste europeu. A julgar pelo resultado não parece poder dizer-se por melhor boa vontade que se tenha, que o escolhido António Guterres preencha qualquer dos requisitos.

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Acrescente-se que na perspectiva portuguesa, habitualmente paroquiana nos apoios, paradoxalmente invejosa nos sucessos, mas sempre na brecha para as mais elevadas posições internacionais desde o saudoso Pedro Hispano, que ficou conhecido por  João XXI ao sentar-se na cadeira de São Pedro no algo distante séc. XIII, a Durão Barroso, um antigo criado de mesa na Esplanada das Lages, ex- presidente da Comissão Europeia e actual bancário, passando por um esquecido Freitas do Amaral que também foi administrativo na ONU, havia gente  AINDA com mais qualificações do que António Guterres a quem aproveitamos para saudar pelo feito. Não sendo facto isolado ou surpreendente dada a natureza da ditosa Pátria que tais filhos tem , lembremos que o papa J.N. Pinto da Costa no auge do seu pontificado e do alto da sua infalibilidade, afirmou in illo tempore ser Fernando Santos o melhor homem do Mundo. Ora acumulando essa faceta ímpar com o título de campeão europeu de futebol e uma capacidade canora formidável (foto obtida enquanto Santos entoava “A Portuguesa” com fervor patriótico equivalente ao de Nuno Álvares Pereira, Afonso de Albuquerque ou mesmo o filho de Ledegunda Soares Taínha de Baião, o bom e velho Gonçalo “Lidador” Mendes da Maia), trata-se de uma tremenda perda não se ter atirado ao prestigiante lugar, mesmo descontado que tem mais com que entreter do que maçar-se com a paz mundial entre homens de má vontade e interesses obscuros. Fica para a próxima.

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Finalmente há L.U.A.R.

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Mariana Mortagua junto ao Parlamento em Lisboa 01-05-2015 fotografia: Marisa Cardoso

As mais recentes e excitantes actuações de Mariana Mortágua – o anúncio de um novo imposto, taxa ou sobretaxa ou o que lhe quiserem chamar sobre imobiliário, substituindo-se ao Governo e ao ministro das Finanças, a par da rábula feita para grande gáudio dos socialistas na rentrée do Clube do Rato, em que para além da explanação de conhecimentos profundos sobre todas e mais algumas teorias económicas, esquecendo convenientemente que aquelas que advoga tiveram resultados conhecidos e extraordinários, propõe aos basbaques acríticos que pensem se o conseguirem, numa substituição do sistema capitalista por outro ainda indefinido (talvez o mentor da simpática menina, o Anacleto Louçã, tenha a noção da substituição bem assente mas não quer, por ora, desvendar o segredo que sabemos ser de Polichinelo) . Os circunstantes aplaudiram a  lição de sapiência porque, mesmo os mais cépticos em relação a António Costa, estão anestesiados com o Poder e hipnotizados pelo sorriso, tão idiota como desnecessário dado o estado da gasta pátria, que nos últimos meses o grande líder traz afivelado acima do queixo em que lhe escorre  habitualmente o suor. Enfim, quem diz a verdade não merece castigo e Mariana Mortágua atira com furor revolucionário e mais que provável distracção que é uma esquerdista radical. Esta escorregadela tem sido pouco apreciada e nada comentada o que não deixa de ser uma pena pois Costa y sus machuchos querem-se convencer  e que o PS engoliu o Bloco e que, ao contrário do que se vê, não anda a reboque dos radicais. O mais engraçado é que o Bloco também não quer ser olhado como um partido da esquerda radical para engrupir alguns tansos na altura da cruzinha no boletim de voto. Só pode ter sido distracção da rapariga, portanto. Voltando um pouco ao estado de alma da oradora convidada, o tal furor foi certamente herdado do seu progenitor, um pilar da brigada de benfeitores L.U.A.R.  (Liga de Unidade e Acção Revolucionária, fundada em Paris em 1967) e a firmeza ideológica delicadamente amparada pelo pedagogo Francisco Anacleto Louçã, que inteligente como é e vendo o Bloco de Esquerda a caminho do charco, se retirou a tempo para os bastidores do radicalismo, colocou uma gravata para se sentar à mesa do Conselho de Estado e da SIC do capitalista Balsemão, e deixou à boca de cena algumas marionetas de confiança com a declamadora Martins a coordenar o espectáculo. Louçã conhece a rapaziada, sabe da memória curta e pouca apetência para estabelecer nexos causais, e tranquilamente segue a sua nunca negada crença na revolução contínua pensando que a sua militância no PSR (até 2008) foi morta e enterrada como Trotsky mas olhe que não Sr. Doutor, olhe que não.

E agora silêncio que se vai cantar o fado.

 

Nota:

O título do postal é uma referência muito enviesada à obra de Luis de Sttau Monteiro “Feliamente há luar” que há-de perdoar o abuso lá onde estiver